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Há uma alfabetização difícil e radical. Ela nos obriga à mudança, a outro aprendizado, à humildade e à reverência: é a alfabetização ecológica. As outras alfabetizações (gráfica, tecnológica e digital) geralmente nos colocam desafios operativos, raramente desafios filosófico-culturais.

A alfabetização ecológica desbanca o antropocentrismo e coloca no centro a admirável história da vida (biocentrismo). Desafia até certo ponto o lógos ordenador para instaurar o éros, como força desorganizadora e reorganizadora.

Ademais, a aventura da vida sobre a terra nos indica o nosso lugar no conjunto e outra forma de nos organizarmos socialmente. Afinal, a vida conseguiu ser sustentável e equilibrada através um sistema flexível de redes, de ciclos, de fluxos, de expansão e equilíbrio dinâmico. Os valores que configuram nossa sociedade (individualismo, racionalismo, oposição, competição, materialismo) causam desigualdades, desequilíbrios, agressões e loucura. O resultado é a perda da alegria de viver e a tirania do desejo insaciável.

A exacerbação da razão e a brutalidade das relações nos levaram à atual deselegância social e à vulnerabilidade dos serviços ambientais. A razão enlouquecida e uma civilização estressada nos aceleram o passo e nos fazem esquecer da necessidade da pausa e do descanso. Com isto sai a paz mansa e entra o desassossego turbulento.

A natureza que te circunda, a paisagem do teu território, é um espaço em que você pode se iniciar ou ser ajudado(a) a se iniciar no observar, no maravilhar-se, no enamoramento, na louvação, na ação de graças e na reverência. É uma liturgia pagã, sadia e radicalmente religiosa, isto é, que religa você ao universo criado.

Na alfabetização ecológica importa inicialmente que você pare, se cale e se deixe tocar pela natureza. Permitir que ela entre na sua vida como um outro diverso, mas da mesma família. Isto pode lhe custar muito, porque as coisas vivas freqüentemente nos são objetos sem alma, para nos servir. Parar, sentar-se, calar, exterior e interiormente, para poder ver, ouvir, sentir e degustar o que a vida tem a nos dizer, a nos ensinar, a nos enlevar é um exercício espiritual.

Quando você descobrir que a natureza é um outro e não simplesmente um amontoado de objetos e coisas vivas entre si relacionadas, quando se der conta de que todas essas “coisas” são sujeitos, portadores de história, subjetividade e destino, então poderás entrar em relação de igualdade, respeito e reciprocidade, não simplesmente em relação utilitária, subalterna e fruidora.

O relacionamento amoroso entre duas pessoas é interativo. Os amantes alternam-se nos papéis. Ora um toma a iniciativa e o outro acolhe, ora o que acolhe retorna oferecendo um presente novo e inesperado. Assim, o diálogo entre amante e amado vai se tecendo por palavras, gestos, olhares, toques, abraços, enlevos e delícias.

Poderia ser parecido o teu relacionamento com a natureza, natura- a vida que vem continuamente nascendo, pulsando e acontecendo, quer a gente sinta ou não.

Por Waldemar Boff

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